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Vovô dos arranha-ceús

O Edifício Martinelli mantém sua arquitetura e charme sonhados
nos anos 20 e continua a pulsar e surpreender no cotidiano
do Centro Velho

Por Jair Rosa

Clique para ampliar a imagem Tudo de bom
e do melhor

Martinelli não poupou despesas. Mandou trazer vidros e espelhos da Bélgica
e mármore de Carrara

Uma grande leva de imigrantes italianos tinha plantado definitivamente suas raízes em São Paulo nos anos 20 quando um deles, já entrado na casa dos 50, ousou sonhar para a cidade o primeiro arranha-céu. Depois de pronto, o arrojado projeto arquitetônico não admitiria comparações nacionalmente nem em toda a América Latina. Até chegar lá, seu idealizador teve de levar adiante uma empreitada longa e cercada de situações polêmicas, mas se teve motivos para arrependimento é porque não pôde vislumbrar o alcance de sua obra: ainda hoje, esse respeitável vovô dos espigões, o edifício Martinelli, continua a fascinar por sua história e arquitetura e surpreende a cada nova reforma.

Nascido em Lucca, uma das cidades medievais da região da Toscana, na Itália, Giuseppe Martinelli, o imigrante que morreu comendador, mandou construir seu palacete no alto do edifício de 25 andares (inicialmente seriam modestos 14) batizado com seu sobrenome. Ali, conta-se, realizava grandes festas das quais se podiam ver as belas noites de uma São Paulo ainda despoluída. A fama da obra correu mundo, não apenas pelo tamanho (considerado o maior edifício em concreto armado do planeta), mas pela luxuosa ornamentação e rico acabamento: portas de pinho, escadas de mármore de Carrara, vidros e espelhos belgas, nada menos que 40 quilômetros de molduras em gesso e revestimento em três tons de rosa.

A localização do palacete também teria como finalidade calar a boca dos incrédulos, que duvidavam da segurança de prédio tão espigado. Sob a batuta do arquiteto húngaro Willian Fillinger, 600 operários começaram a erguer as paredes do edifício naquela que era a região mais valorizada da cidade, entre as ruas São Bento, Libero Badaró e a Avenida São João. Mais de 90 artesãos passaram a dar forma à rica fachada desenhada pelos irmãos Lacombe (que depois seriam também responsáveis pelo túnel da Avenida 9 de Julho), e as projeções eram tão complexas que foi necessário importar da Alemanha uma máquina de calcular. Detalhe: todo o cimento para a construção veio da Suécia e Noruega por meio da empresa importadora de Martinelli.

Estimulado pelos amigos, o italiano acrescentava cada vez mais andares à obra. Quando chegou ao 20º, assumiu pessoalmente o projeto, e não foram raras as vezes que trabalhou como pedreiro – ofício que exercera em Lucca quando sonhava ser arquiteto. Ao chegar no 24º andar a obra foi embargada e se abriu grande debate em torno de a cidade possuir edifício tão elevado. Quem colocou lenha na fogueira foram os próprios arquitetos que iniciaram a obra – depois substituídos –, ao declararem à grande imprensa, em 1928, que “como presentemente estão elevando 24 andares sobre as mesmas fundações por nós executadas para 14 andares, as quais não foram nem poderiam ser modificadas, é evidente que, levando-se em conta a qualidade do terreno, a altura excepcional do prédio e as normas, especificações e regulamentos usuais, tal prédio não oferece segurança...”.

Foi em função desse tipo de declaração que muitos evitavam passar próximo ao edifício. A resposta do comendador não veio apenas em laudos técnicos. Ele mobiliou ricamente o 9º andar do edifício em construção e lá passou a residir. E, ao seu lado na defesa da obra, se posicionaram  integrantes do movimento modernista, como Oswald e Mário de Andrade. A jornalista e escritora Patrícia Galvão, a Pagu, também emprestou seu talento ao Martinelli, registrando-o em quadro e poema.

Finalmente, depois de muita discussão na Justiça, a construção do 25º acabou autorizada. Mas o italiano queria mais: nada abaixo de 30 andares (ao final, a construção atingiu 105,65 metros). Para quem chegara ao país aos 19 anos e sobrevivera trabalhando como mascate, açougueiro, importador e representante comercial até se tornar um armador dono de frota com 22 navios (transformados um a um em tijolo, cimento, areia, cal...), além de manter participação em diversos negócios, não era afinal uma luta assim tão difícil.

Abalo

Ao término da empreitada, com a inauguração do prédio em 1930, Martinelli acabou ficando mais tempo como proprietário durante a construção do que com ele pronto. A obra teria lhe causado problemas financeiros – além da polêmica sobre a altura enfrentou outros obstáculos, como por exemplo a descoberta de um rio subterrâneo e o abalo de um prédio vizinho. A crise econômica de 1929, com a quebra na bolsa de Nova Iorque, também abalou as finanças do italiano. Depois de recorrer sem sucesso aos bancos nacionais, pediu socorro ao governo da Itália – por possuir relações estreitas – e obteve o empréstimo de dez mil contos de réis por meio do Istituto Nazionale di Credito per il Lavoro all Estero (ICLE) que, mais tarde, passaria a ser o novo proprietário do edifício.

As dívidas do comendador chegaram a tal ponto que ele não teve outra alternativa a não ser se desfazer do prédio. Voltou para o Rio de Janeiro, onde passou a reconstruir sua fortuna – nas vezes em que vinha a São Paulo, fazia com que seu motorista desse voltas para não passar defronte ao prédio.

Fases

Na revolução de 1932,  o terraço do edifício serviu de barricada e ponto de ataque na briga de São Paulo para garantir o respeito à Constituição e a derrocada de Getúlio Vargas. Devido à altura e privilegiada localização, ali foram instaladas baterias de metralhadoras antiaéreas para defender a cidade dos chamados “vermelhinhos”, os aviões do governo federal que ameaçavam bombardeá-la. O dirigível  Hindenburg sobrevoou-o no início dos anos 30, o que rendeu até uma crônica de Mário de Andrade: “E o Zeppelin veio provar pra São Tomé o sofisma gracioso de que uma casa de um andar (altura do dirigível) pode ser mais alta que o Martinelli”, escreveu.

O edifício voltaria a ser envolvido numa crise anos mais tarde, quando o País decidiu apoiar os aliados na Segunda Guerra Mundial. Todos os negócios pertencentes ou ligados aos países do Eixo  foram confiscados. Com o rompimento do Brasil com a Itália, o prédio passou então às mãos da União.

“O Martinelli teve três fases: o auge, a decadência e a recuperação. No início tinha até um cassino, freqüentado pela alta sociedade. E funcionava também o Cine Rosário, na época em que era obrigatório o uso de terno e gravata para entrar”, lembra o bancário aposentado Nelson Silva. O Cine Rosário, por exemplo, o mais luxuoso de uma época – pois contava com poltronas estofadas e às sextas-feiras abria apenas para a alta elite paulistana – funcionou até o início da década de 1940. Em 1945, parte da estrutura do prédio foi remodelada para a instalação dos bancos América e Bandeirantes. Os tetos foram rebaixados, cobrindo-se os trabalhos originais de artesanato – recentemente descobertos durante a reforma que o Sindicato vem fazendo em sua sede – e tanto o Rosário quanto o Salão Verde, um dos pontos de destaque do prédio, desapareceram.

Em seus anos dourados, o prédio também sediou clubes como o Palmeiras, Portuguesa e Satélite (Associação de Funcionários do Banco do Brasil); redação de jornais, partidos políticos e restaurantes. Ao passar para a União, teve início o período da decadência, consolidada décadas mais tarde pela transformação em um verdadeiro cortiço. Nos anos 60, o prédio foi palco de crimes de grande repercussão. Entre eles o do garoto Davilson, violentado, estrangulado e jogado no poço do elevador. O criminoso jamais foi encontrado.

O edifício voltou a ser valorizado após grande reforma em meados da década de 70. O “velho” Martinelli de novo passou a ser uma das referências de conservação histórica de São Paulo e teve seus andares ocupados por diversas repartições públicas e entidades. Alguns deles foram adquiridos pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região para abrigar sua sede central. O Sindicato já funcionara ali no sétimo andar, recorda o bancário Silva. “Eram promovidas as `domingueiras´, bailes para a categoria se divertir”, conta. O mesmo andar também foi sede da Central Única dos Trabalhadores. Atualmente, o Martinelli possui mais de 1.200 dependências e 16 elevadores, com três entradas – a do Sindicato, independente, é pelo 413 da rua São Bento, onde funciona a Central de Atendimento e o Café dos Bancários.

E possui também muitas histórias, das reais às sobrenaturais – destas últimas a mais conhecida é a da ´loira-fantasma´, mulher sem rosto que circularia nos vários andares do prédio. Ou aquela que dá conta de que alguém da época da construção da mansão caminha ainda pelo 25º andar... São histórias saborosas, dignas de um sonho do porte do edifício, que por quase duas décadas manteve-se como o maior da cidade, desbancado apenas em 1947 pela construção do prédio do Banespa, com seus 35 andares e 161,22 metros de altura – mas essa, claro, já é uma outra história...


Detalhes preciosos
Obras de restauro na sobreloja do Sindicato vão aos poucos recuperando o esplendor de parte do Salão Verde, que recebia convidados para bailes memoráveis

Passado vivo

Foi por mero acaso que um pouco da história da construção do Martinelli foi recentemente revelada. No início do ano passado, o Sindicato iniciou uma grande reforma em sua sede, começando pelo saguão para a adequação da atual Central de Atendimento e do Café dos Bancários – que já estão em funcionamento.

Na segunda parte da reforma, no mezanino, quando eram feitos estudos para readequação das tubulações do ar condicionado, foram descobertos debaixo do gesso vários afrescos originais da época da construção, provavelmente encobertos na reforma de 1945. Não apenas nos tetos – com três camadas emolduradas de gesso – mas também pinturas originais das paredes laterais, cobertas por “folhas de ouro”, denotando o requinte e o cuidado do acabamento da construção.

A diretoria do Sindicato optou pelo restauro dos aspectos do ambiente não apenas para preservar mas também resgatar um pouco da história de uma época. Para comandar os trabalhos de restauração – possíveis graças a uma parceria com a Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) – foi chamado o artista plástico e restaurador Luis Martin Sarasá. Entre outras obras, ele foi o responsável pela restauração dos vitrais da Catedral da Sé, de parte do Mercado Municipal e do Teatro São Pedro.

“Os trabalhos devem demorar cerca de seis meses, pois são puramente artesanais. Além da reconstituição de cores e materiais da época, existem aspectos de ambiência que pretendemos resgatar." explica.

De acordo com o presidente do Sindicato, Luiz Cláudio Marcolino, a restauração é um desafio, mas servirá para manter vivos um pouco da história não apenas do prédio como da própria cidade. “O Martinelli é uma das grandes referências da história recente de São Paulo, e por isso tem de haver todo o empenho para recuperá-lo. A parceria com a Bancoop, que patrocinará a restauração, está sendo fundamental para que isso ocorra”, destaca.


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